o marido e o filho não admitiam a ideia do divórcio
então ela decidiu continuar casada com os dois
até que um dia ela conheceu um motorista, com uma escala complicada, mas que encaixava nos horários vagos para amassos rápidos, ela me contava sobre as calcinhas que comprava e como tinha vontade de gritar por viver uma paixão, uma paixão proibida, gostava de falar no final: “não estou morta”
02
apesar de odiar meus seios caídos, apesar de ter tolerado a ideia de suportar até magicamente surgir uma ascensão ao acaso, apesar do arrependimento de ter escolhido casar aos dezoito, apesar de ter vivido todos esses anos em que vivo em extrema sensibilidade e comoção, apesar de ter endurecido o olhar, apesar de ser mais severa, apesar dos problemas engavetados, apesar de não gozar do sonho americano na América do Sul, apesar de tentar esclarecer, juro, que dentro desse corpo caótico, irei gozar do meu ser.
03
começo a indagar as decisões depois de um filme
descobrimos agora, digo, descobri agora que o amor é completamente político, não tive a oportunidade de aprender antes
aprender também é uma questão de oportunidade e sabemos disso, aliás, queria eu que todos soubessem isso, teríamos mais aprendizes que mestres, poderia ser
começo a indagar minhas decisões e decido não mais escrever poemas, são sempre assim, conexões só minhas que eu mesma teci
indago meu corpo, o corpo que escolhi e escolho ter, indago minha voz que parece tão serena enquanto por dentro queimo, indago minhas frases sádicas só porque não quero que alguém seja sádico comigo
indago minha capacidade de reclamação desde muito pequena, indago se há espírito, se há alma, se há influência divina em nós, semideuses mortais.
se eu lançar uma maldição funciona? se amaldiçoar o inimigo funciona? mas as palavras não saem e eu nem abençoo e nem rogo praga pra maioria
queria rasgar essa película de mistérios em meus olhos, os mistérios concretos, a tentativa de entender o passado pra tentar saber qual será a próxima etapa da humanidade essa casa onde tantos habitam e se estressam
oh, seres estressados com a direção da peça oh, coro derretido de utopias oh, esperança perdida oh, cabocla inquieta
encerro aqui, preciso cozinhar.
***
.
Isabella Ingra (1993) é poeta, escrivinhadora de palavras, atriz quando convém, mãe e feminista. Nascida em Brasília e no mundo todo.
Foto: Pixabay
01
casada por muito tempo
o marido e o filho não admitiam a ideia do divórcio
então ela decidiu continuar casada com os dois
até que um dia ela conheceu um motorista, com uma escala complicada, mas que encaixava nos horários vagos para amassos rápidos, ela me contava sobre as calcinhas que comprava e como tinha vontade de gritar por viver uma paixão, uma paixão proibida, gostava de falar no final: “não estou morta”
02
apesar de odiar meus seios caídos, apesar de ter tolerado a ideia de suportar até magicamente surgir uma ascensão ao acaso, apesar do arrependimento de ter escolhido casar aos dezoito, apesar de ter vivido todos esses anos em que vivo em extrema sensibilidade e comoção, apesar de ter endurecido o olhar, apesar de ser mais severa, apesar dos problemas engavetados, apesar de não gozar do sonho americano na América do Sul, apesar de tentar esclarecer, juro, que dentro desse corpo caótico, irei gozar do meu ser.
03
começo a indagar as decisões depois de um filme
descobrimos agora, digo, descobri agora que o amor é completamente político, não tive a oportunidade de aprender antes
aprender também é uma questão de oportunidade e sabemos disso, aliás, queria eu que todos soubessem isso, teríamos mais aprendizes que mestres, poderia ser
começo a indagar minhas decisões e decido não mais escrever poemas, são sempre assim, conexões só minhas que eu mesma teci
indago meu corpo, o corpo que escolhi e escolho ter, indago minha voz que parece tão serena enquanto por dentro queimo, indago minhas frases sádicas só porque não quero que alguém seja sádico comigo
indago minha capacidade de reclamação desde muito pequena, indago se há espírito, se há alma, se há influência divina em nós, semideuses mortais.
se eu lançar uma maldição funciona? se amaldiçoar o inimigo funciona? mas as palavras não saem e eu nem abençoo e nem rogo praga pra maioria
queria rasgar essa película de mistérios em meus olhos, os mistérios concretos, a tentativa de entender o passado pra tentar saber qual será a próxima etapa da humanidade essa casa onde tantos habitam e se estressam
oh, seres estressados com a direção da peça
oh, coro derretido de utopias
oh, esperança perdida
oh, cabocla inquieta
encerro aqui, preciso cozinhar.
***
.
Isabella Ingra (1993) é poeta, escrivinhadora de palavras, atriz quando convém, mãe e feminista. Nascida em Brasília e no mundo todo.
Compartilhe isso:
Curtir isso: