Toda noite eu olho pro céu Pontilhado de estrelas Umas brilham mais Outras são tênues luzinhas Quase apagadas, fraquinhas Parecem não ter forças Pra nascer Pra brilhar Pra existir Reflito Nascer é gratuito Brilhar é irresoluto Existir é atroz.
Dois mundos
Disse Jesus a Pilatos O meu Reino não é deste mundo Donde se depreende que Existem dois mundos Este daqui Dos automóveis Das contas bancárias Dos prazeres Dos amores Quem os tem Não os quer perder Quem não os tem Almeja ter São seres em busca da felicidade E há o outro mundo Ao qual pertence o Cristo Se lá existe um Reino Se lá existe justiça Se lá os tesouros não enferrujam Por que ninguém quer ir morar lá? E a felicidade onde está? Aqui ou lá?
A visita do lobo cinzento
Vi que não era bicho daqui Guará, jaguatirica, quati Era um bicho estrangeiro Não era desse mundo de cá Quando vi, estava ele lá Me olhando sereno Um grande lobo cinzento De grandes olhos amarelos Enorme, imponente, hierático Não sei como entrou no meu quarto Tarde da noite, horas mortas Morte da sorte, horas tortas O bicho me deixou confuso Não era sonho, era real Ali, parado, do lado da cama Será que ele vai me atacar? Se ele quiser Faz meu corpo em estilhas Os lobos são seres sanguinários Ainda mais os cinzentos Mas esse era tranquilo Não me atacou Não me estilhaçou Olhou-me fixamente Depois deitou-se Aconchegou-se no tapete E mansamente Adormeceu.
Modorra
Cachorros vagam na rua Homens bebem cerveja Azuleja o céu desinibido Zune o Sol decidido Cigarras tocam uma nênia arrastada Cachorros vagam sonolentos Homens bebem sonolentos Vem o cheiro ocre dos ventos A tarde irrompe Lenta e tristonha O menino pelado corre na rua Lenta e tristonha A preta velha senta na calçada Lenta e tristonha Os cachorros Os homens As cigarras O menino pelado A preta velha Todos caminham Inelutavelmente Para a noite Longa e medonha.
Tempo e esperança
Insistimos em segmentar o tempo Aprendemos a fragmentá-lo em fatias De grossuras diferentes Séculos, décadas, semanas Horas, minutos, átimos Negamos que seja um corpo inteiriço, contínuo Um animal indomável, incontrolável, invencível Teimamos em querer Domá-lo, controlá-lo, vencê-lo Pobres de nós! Desejosos de sofrear os ímpetos do tempo Passamos a acreditar Em ciclos Em pacotes de tempo Em pedaços de existência Inventamos fins e começos Inauguramos esperanças Dezembro é assim Um mês na esquina do tempo Quintana disse que no alto do décimo segundo andar do ano Vive uma louca chamada Esperança Quem é essa inconsequente que se atira no vazio? Esperança é confiança ou ilusão? Esperança é expectativa ou resignação? Responde-nos, esperançoso poeta.
*
Poemas escritos pelo autor em maio de 2021
***
.
Luciano de Castro é mineiro de Teófilo Otoni, cruzeirense, dentista, especialista, mestre, doutor e professor da Universidade Federal de Goiás, goianiense, apaixonado pela natureza, por história e por literatura. Um sujeito metido a escritor.
Foto: João Cabral / Pexels
Abissal
Toda noite eu olho pro céu
Pontilhado de estrelas
Umas brilham mais
Outras são tênues luzinhas
Quase apagadas, fraquinhas
Parecem não ter forças
Pra nascer
Pra brilhar
Pra existir
Reflito
Nascer é gratuito
Brilhar é irresoluto
Existir é atroz.
Dois mundos
Disse Jesus a Pilatos
O meu Reino não é deste mundo
Donde se depreende que
Existem dois mundos
Este daqui
Dos automóveis
Das contas bancárias
Dos prazeres
Dos amores
Quem os tem
Não os quer perder
Quem não os tem
Almeja ter
São seres em busca da felicidade
E há o outro mundo
Ao qual pertence o Cristo
Se lá existe um Reino
Se lá existe justiça
Se lá os tesouros não enferrujam
Por que ninguém quer ir morar lá?
E a felicidade onde está?
Aqui ou lá?
A visita do lobo cinzento
Vi que não era bicho daqui
Guará, jaguatirica, quati
Era um bicho estrangeiro
Não era desse mundo de cá
Quando vi, estava ele lá
Me olhando sereno
Um grande lobo cinzento
De grandes olhos amarelos
Enorme, imponente, hierático
Não sei como entrou no meu quarto
Tarde da noite, horas mortas
Morte da sorte, horas tortas
O bicho me deixou confuso
Não era sonho, era real
Ali, parado, do lado da cama
Será que ele vai me atacar?
Se ele quiser
Faz meu corpo em estilhas
Os lobos são seres sanguinários
Ainda mais os cinzentos
Mas esse era tranquilo
Não me atacou
Não me estilhaçou
Olhou-me fixamente
Depois deitou-se
Aconchegou-se no tapete
E mansamente
Adormeceu.
Modorra
Cachorros vagam na rua
Homens bebem cerveja
Azuleja o céu desinibido
Zune o Sol decidido
Cigarras tocam uma nênia arrastada
Cachorros vagam sonolentos
Homens bebem sonolentos
Vem o cheiro ocre dos ventos
A tarde irrompe
Lenta e tristonha
O menino pelado corre na rua
Lenta e tristonha
A preta velha senta na calçada
Lenta e tristonha
Os cachorros
Os homens
As cigarras
O menino pelado
A preta velha
Todos caminham
Inelutavelmente
Para a noite
Longa e medonha.
Tempo e esperança
Insistimos em segmentar o tempo
Aprendemos a fragmentá-lo em fatias
De grossuras diferentes
Séculos, décadas, semanas
Horas, minutos, átimos
Negamos que seja um corpo inteiriço, contínuo
Um animal indomável, incontrolável, invencível
Teimamos em querer
Domá-lo, controlá-lo, vencê-lo
Pobres de nós!
Desejosos de sofrear os ímpetos do tempo
Passamos a acreditar
Em ciclos
Em pacotes de tempo
Em pedaços de existência
Inventamos fins e começos
Inauguramos esperanças
Dezembro é assim
Um mês na esquina do tempo
Quintana disse que no alto do décimo segundo andar do ano
Vive uma louca chamada Esperança
Quem é essa inconsequente que se atira no vazio?
Esperança é confiança ou ilusão?
Esperança é expectativa ou resignação?
Responde-nos, esperançoso poeta.
*
Poemas escritos pelo autor em maio de 2021
***
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Luciano de Castro é mineiro de Teófilo Otoni, cruzeirense, dentista, especialista, mestre, doutor e professor da Universidade Federal de Goiás, goianiense, apaixonado pela natureza, por história e por literatura. Um sujeito metido a escritor.
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