Quis escrever uma carta endereçada ao cansaço ao sentido da dor do poeta fingido o divã do verso nem sempre dá conta porque a letra da angustia certas vezes não encontra significante Já que é assim ficam os versos sensitivos do Leonard Cohen, sempre lacrimoso falando por mim Lembro do ciúmes de versos que me leram e não saíram dos meus dedos Quis escrever para a fadiga acreditar nos dotes de renascimento da fênix que todo feminino conhece na carne Mas não existe crença para aquele que chora a única realidade É o sal molhado da lágrima a contração o suspiro involuntário o desgoverno a tremedeira o susto consigo a pele própria estranha quis escrever para a angustia porque a carta no correio faria parecer fora Que não me pertence o músculo que dói mas é impossível a concomitância entre destinatário e remetente quis me cobrir Mas a dor é o que nos iguala E a poesia nos deixa nus
*
Cidade do tempo cão
O entardecer revela tua personalidade E tua provocação Borderline Teus movimentos diurnos corridos e corriqueiros Enlouquecedores e donos do tempo Senhora do tempo e da masmorra Da rotina desregulada e irregular Provocativa e silenciadora e tuas noites Liberdades condicionadas Possibilidades megalomaníacas Contigo se tem romance bandido Sexo selvagem com tua luxúria noturna Com tua mania de grandeza Muito templo Pouco faraó amanhece e você é só sadismo Nos bate na cara Segue a ambivalência Amor e ódio De dia te quero longe De noite lembro porque não te deixo Cidade do tempo cão
*
Décimo terceiro
E se por acaso o chão inclinasse Sua cama escorregasse e Despencasse Do décimo terceiro andar Despertaria seus múltiplos sonos? Acaso acordaria do sono desperto Voluntário Do sono entorpecido Ideológico Do sono seguro, quentinho Do sono que escolheu Que sonha que te protege Quantos sonos protegem sua pele E escondem sua cara Do sol da vida? Se acaso caísse De cama, de cara, de nariz Décimo terceiro andar Acaso Colocaria os pés no chão?
*
Os poemas integram o livro “A Cidade do tempo cão e outros poemas de fissuras” (2020), publicado pela Editora Patuá.
***
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Flávia Andrade nasceu em São Paulo e é apaixonada pelas noites da cidade. Psicóloga, psicanalista e Mestre em Filosofia de formação, sente-se atraída desde cedo por arte, teatro e poesias. Quer colocar em verso aquilo que não pode ser racionalizado pelas vias formas do conhecimento e da compreensão humana. Faz da escrita seu caro divã. Não entende Hilda Hilst, Conceição Evaristo e Clarice Lispector com a razão, mas com os sentidos. Sente-se contemplada pelos sentimentos em letra dos grandes poetas e acredita que escrever poemas é condição de possibilidade da própria vida. É autora do livro “A Cidade do tempo cão e outros poemas de fissuras”, publicado pela Editora Patuá.
Imagem de MichaelGaida por Pixabay
Carta ao cansaço
Quis escrever uma carta endereçada ao cansaço
ao sentido da dor do poeta fingido
o divã do verso nem sempre dá conta
porque a letra da angustia
certas vezes não encontra significante
Já que é assim
ficam os versos sensitivos do Leonard Cohen, sempre lacrimoso
falando por mim
Lembro do ciúmes de versos que me leram e não saíram dos meus dedos
Quis escrever para a fadiga
acreditar nos dotes de renascimento
da fênix que todo feminino conhece na carne
Mas não existe crença para aquele que chora
a única realidade
É o sal molhado da lágrima
a contração
o suspiro involuntário
o desgoverno
a tremedeira
o susto consigo
a pele própria estranha
quis escrever para a angustia porque a carta no correio
faria parecer fora
Que não me pertence o músculo que dói
mas é impossível a concomitância
entre destinatário e remetente
quis me cobrir
Mas a dor é o que nos iguala
E a poesia nos deixa nus
*
Cidade do tempo cão
O entardecer revela tua personalidade
E tua provocação
Borderline
Teus movimentos diurnos corridos e corriqueiros
Enlouquecedores e donos do tempo
Senhora do tempo e da masmorra
Da rotina desregulada e irregular
Provocativa e silenciadora
e tuas noites
Liberdades condicionadas
Possibilidades megalomaníacas
Contigo se tem romance bandido
Sexo selvagem com tua luxúria noturna
Com tua mania de grandeza
Muito templo
Pouco faraó
amanhece e você é só sadismo
Nos bate na cara
Segue a ambivalência
Amor e ódio
De dia te quero longe
De noite lembro porque não te deixo
Cidade do tempo cão
*
Décimo terceiro
E se por acaso o chão inclinasse
Sua cama escorregasse
e
Despencasse
Do décimo terceiro andar
Despertaria seus múltiplos sonos?
Acaso acordaria do sono desperto
Voluntário
Do sono entorpecido
Ideológico
Do sono seguro, quentinho
Do sono que escolheu
Que sonha que te protege
Quantos sonos protegem sua pele
E escondem sua cara
Do sol da vida?
Se acaso caísse
De cama, de cara, de nariz
Décimo terceiro andar
Acaso
Colocaria os pés no chão?
*
Os poemas integram o livro “A Cidade do tempo cão e outros poemas de fissuras” (2020), publicado pela Editora Patuá.
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Flávia Andrade nasceu em São Paulo e é apaixonada pelas noites da cidade. Psicóloga, psicanalista e Mestre em Filosofia de formação, sente-se atraída desde cedo por arte, teatro e poesias. Quer colocar em verso aquilo que não pode ser racionalizado pelas vias formas do conhecimento e da compreensão humana. Faz da escrita seu caro divã. Não entende Hilda Hilst, Conceição Evaristo e Clarice Lispector com a razão, mas com os sentidos. Sente-se contemplada pelos sentimentos em letra dos grandes poetas e acredita que escrever poemas é condição de possibilidade da própria vida.
É autora do livro “A Cidade do tempo cão e outros poemas de fissuras”, publicado pela Editora Patuá.
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