Quero me arrancar de mim despregar meus olhos minha boca minha gengiva quero desmembrar meu coração meu coração sensitivo quero outro tudo quero outros nadas logo agora que logo agora que estamos em casa quero desmembrar até minha ideia de casa de lar, de seres. quero me esconder no sótão, eu que nem sótão tenho eu que vivo em três cômodos quero me esconder da ideia de meu pai da ideia de sucesso de minha mãe da solidão da minha avó quero sobreviver ao ter consciência de.
*
03 de junho.
Acordei com uma pequena alergia. Olhos inchados. Nariz perturbado. Hoje, finalmente, disse: Eu quero estar sozinha. Eu e meus segredos que separei um a um para me contar. Quero estar sozinha pra chorar a morte do Miguel. Quero estar sozinha pra chorar a morte do João. Do George, da Marielle. Mas não há solidão bastante pra chorar a morte de todos. Não há isolamento bastante pra chorar a morte de todos. Não há lágrimas o bastante pra chorar a morte de todos. Não há alergia o bastante pra reclamar a morte de todos.
***
.
Isabella Ingra (1993) é poeta, escrivinhadora de palavras, atriz quando convém, mãe e feminista. Nascida em Brasília e no mundo todo.
Foto: Reprodução / Pixabay
Desmembros
Quero me arrancar de mim
despregar meus olhos
minha boca minha gengiva
quero desmembrar meu coração
meu coração sensitivo
quero outro tudo
quero outros nadas
logo agora que
logo agora que
estamos em casa
quero desmembrar
até minha ideia de casa
de lar, de seres.
quero me esconder no sótão,
eu que nem sótão tenho
eu que vivo em três cômodos
quero me esconder da ideia de meu pai
da ideia de sucesso de minha mãe
da solidão da minha avó
quero sobreviver ao
ter consciência de.
*
03 de junho.
Acordei com uma pequena alergia. Olhos inchados. Nariz perturbado. Hoje, finalmente, disse:
Eu quero estar sozinha. Eu e meus segredos que separei um a um para me contar. Quero estar sozinha pra chorar a morte do Miguel. Quero estar sozinha pra chorar a morte do João. Do George, da Marielle.
Mas não há solidão bastante pra chorar a morte de todos.
Não há isolamento bastante pra chorar a morte de todos.
Não há lágrimas o bastante pra chorar a morte de todos.
Não há alergia o bastante pra reclamar a morte de todos.
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Isabella Ingra (1993) é poeta, escrivinhadora de palavras, atriz quando convém, mãe e feminista. Nascida em Brasília e no mundo todo.
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