Quando me abraçam abraçam parte do que carrego as lembranças inventadas o esquecimento em minha camisa velha
Abraçam profundezas minha consciência de classe o proletariado negro o medo do câncer, meu sexo todas as impurezas que respiro e escrevo
Tenho sonhos, muitas palavras a isso também abraçam o monstruoso oceano e os livros agora equilibrados na estante entre o cupim e a poeira
Abraçam minha pobreza e eu os abraço de volta o rosto encostado na face que se oferece os olhos fechados dentro da noite e eu os levo comigo como os filhos que não tenho
*
Aos vinte e dois dias da quarentena
que os dias passem como dias, seguros em sua imensidão solitária; que os dias passem efêmeros como amargor do veneno, que passem como a Portela – um rio em minha vida; que invada as extremidades da minha boca com as dores que me arrastam pela cidade, os ossos todos ruídos; que os dias passem através das tuas pernas – descobertas, peço sempre que nada me salve; que os dias sejam duros como o assoalho da casa, o sono forçado, as grades, que eu me torne, enfim, liberto, dono do mato, corpo sem mácula; que eu tenha intestinos que funcionem perfeitamente, paciência, vontade de tomar água e mantenha os olhos abertos em um ponto futuro. por enquanto, deito as mãos sobre os relógios.
***
Natural de Porto Alegre (RS), Marcelo Silva é poeta e professor de Literatura e Língua Portuguesa. Mantém o blog Desalinhado, publica poesia e alguns contos em diversos sites e revistas dedicadas ao gênero. Criou a oficina “A poesia é um atentado celeste” na qual estimula o fazer poético por meio de exercícios que envolvem canções, imagens e trabalho coletivo. Em maio de 2019 lançou o livro O que carrego no ventre, editado pela Figura de Linguagem.
Hábraços
Quando me abraçam
abraçam parte do que carrego
as lembranças inventadas
o esquecimento em minha camisa velha
Abraçam profundezas
minha consciência de classe
o proletariado negro
o medo do câncer, meu sexo
todas as impurezas que respiro e escrevo
Tenho sonhos, muitas palavras
a isso também abraçam
o monstruoso oceano
e os livros
agora equilibrados na estante
entre o cupim e a poeira
Abraçam minha pobreza
e eu os abraço de volta
o rosto encostado na face que se oferece
os olhos fechados dentro da noite
e eu os levo comigo
como os filhos que não tenho
*
Aos vinte e dois dias da quarentena
que os dias passem como dias, seguros em sua imensidão solitária;
que os dias passem efêmeros como amargor do veneno, que passem
como a Portela – um rio em minha vida;
que invada as extremidades da minha boca
com as dores que me arrastam pela cidade, os ossos todos ruídos;
que os dias passem através das tuas pernas – descobertas,
peço sempre que nada me salve;
que os dias sejam duros como o assoalho da casa,
o sono forçado, as grades,
que eu me torne, enfim, liberto,
dono do mato, corpo sem mácula;
que eu tenha intestinos que funcionem perfeitamente, paciência,
vontade de tomar água e mantenha os olhos abertos
em um ponto futuro.
por enquanto, deito as mãos sobre os relógios.
***
Natural de Porto Alegre (RS), Marcelo Silva é poeta e professor de Literatura e Língua Portuguesa. Mantém o blog Desalinhado, publica poesia e alguns contos em diversos sites e revistas dedicadas ao gênero. Criou a oficina “A poesia é um atentado celeste” na qual estimula o fazer poético por meio de exercícios que envolvem canções, imagens e trabalho coletivo.
Em maio de 2019 lançou o livro O que carrego no ventre, editado pela Figura de Linguagem.
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